segunda-feira, 8 de julho de 2013

Brasil é alvo prioritário de espionagem americana pela internet

Edward Snowden, ex-funcionário da CIA que revelou o grande esquema de espionagem dos EUA, está de volta com mais uma revelação: o Brasil foi alvo prioritário dos americanos na última década, tão monitorado quanto países como China, Rússia e Irã. Isso envolve tanto telefonemas como o tráfego de internet, seja de brasileiros, pessoas em trânsito no país, ou empresas instaladas aqui.
É o que diz uma reportagem do jornal O Globocom a coautoria de Glenn Greenwald, que ajudou Snowden a revelar o PRISM. O governo brasileiro cobra explicações dos EUA, e vai tomar várias medidas para coibir violações à privacidade como esta.
Documentos vazados por Snowden mostram que a coleta de dados é “constante e em grande escala”. No continente, somos o segundo país mais monitorado – ficamos apenas atrás dos EUA. Isso seria feito através de empresas americanas, e também através da interceptação de satélites – o PRISM seria apenas a ponta do iceberg.
No Brasil, o principal instrumento de espionagem se chama “Fairview”. O programa seria usado pela NSA (Agência de Segurança Nacional) em parceria com uma grande empresa de telefonia dos EUA, que mantém relações com outras no Brasil e no mundo. Dessa forma, ela teria acesso às redes de comunicações locais – incluindo as brasileiras.
Os documentos não revelam qual é essa operadora dos EUA, nem se as empresas brasileiras sabem que ajudam na espionagem. No entanto, é através do Fairview que os americanos coletam e-mails e registros telefônicos de milhões de pessoas e empresas.
Esta não seria a única forma de violar a privacidade dos brasileiros: satélites também estariam envolvidos. Outros documentos revelam que, pelo menos até 2002, havia uma estação americana de espionagem em Brasília. Operada pela NSA e CIA, ela coletava informações de satélites do país. No mundo, havia 16 bases como esta – nós tínhamos a única base na América do Sul.
Brasília também era uma das 75 cidades no mundo a abrigar uma força-tarefa chamada Special Collection Service (SCS), hospedando espiões da NSA e da CIA que trabalhavam em conjunto. No entanto, nossa capital era uma das únicas a abrigar o programa de espionagem através de satélites de outros países, o Fornsat. (A outra cidade era Nova Délhi, na Índia.)
Greenwald suspeita que o interesse dos EUA pode não estar apenas em invadir a privacidade dos brasileiros, e sim de países como China e Irã. Em entrevista ao Fantástico, ele diz:
Não temos acesso ao sistema da China, mas temos acesso ao sistema do Brasil. Então estamos coletando o trânsito do Brasil não porque queremos saber o que um brasileiro está falando para outro brasileiro, mas porque queremos saber que alguém na China está falando com alguém na Irã, por exemplo.

Reação

O governo brasileiro não gostou nem um pouco das revelações, e cobrou uma explicação dos EUA.
O Ministério das Relações Exteriores já pediu esclarecimentos ao embaixador dos EUA, enquanto a embaixada em Washington fará isso diretamente ao governo americano. Em nota, o Itamaraty diz também que vai pedir ajuda de órgãos internacionais:
O governo brasileiro promoverá no âmbito da União Internacional de Telecomunicações (UIT), em Genebra, o aperfeiçoamento de regras multilaterais sobre segurança das telecomunicações. Além disso, o Brasil lançará nas Nações Unidas iniciativas com o objetivo de proibir abusos e impedir a invasão da privacidade… estabelecendo normas claras de comportamento dos Estados na área de informação e telecomunicações…
Recorrendo à ONU e UIT, o governo quer criar uma governança multilateral da internet. Atualmente isso é feito pela Icann, subordinada ao governo americano.
Dentro do âmbito brasileiro, providências também serão tomadas. A Polícia Federal e a Anatel vão investigar se empresas no Brasil forneceram, para a NSA, acesso a redes locais de comunicações.
Além disso, o poder Executivo deve pressionar a Câmara dos Deputados a votar o marco civil da internet, cujo andamento está travado há meses. Um dos objetivos do marco civil é proteger sua privacidade na internet: ele proíbe os provedores de guardar um log com os sites que você visita, mas prevê que provedores de internet devem armazenar o seu registro de conexão por um ano (quando você usou a internet, e por qual IP).
Paulo Bernardo, ministro das Comunicações, diz ao Globo que a espionagem de brasileiros é crime:
O mais provável é que o monitoramento seja feito pelos cabos submarinos e satélites. Nas transmissões internacionais e ligações, a maioria dos cabos passa pelos Estados Unidos… Se isso realmente ocorreu, configura crime contra a legislação brasileira e a Constituição. Nossa Constituição assegura o direito à intimidade e privacidade.
Segundo O Globo, a presidente Dilma Rousseff ficou preocupada com o possível monitoramento político, comercial e industrial feito pelos EUA. Em reunião neste domingo, ela discutiu com ministros a criação de um grande sistema nacional para armazenamento de dados, cujo objetivo ainda não está claro.

Snowden

Desde que revelou sua identidade há cerca de um mês, Edward Snowden tenta fugir do governo americano, que o processou formalmente e quer apreendê-lo para julgamento.
Snowden pediu asilo ao Equador, que lhe foi negado após intervenção dos EUA. Então o Wikileaks fez o pedido a vinte outros países. O Brasil estava na lista, mas negou-se a abrigar o informante: o Ministério das Relações Exteriores deixou claro que “não há intenção de responder”. Outros países também recusaram o pedido. O Wikileaks, então, pediu asilo em seis outros países, cujos nomes não foram revelados devido às “tentativas de interferência dos EUA”.
Os presidentes da Nicarágua e Venezuela, no entanto, já se ofereceram a abrigar o ex-funcionário da CIA. Evo Morales, presidente da Bolívia, também ofereceu o convite. Morales ficou preso na Áustria por 13 horas, devido a suspeitas de que Snowden estaria a bordo de seu avião. (França e outros países europeus não o autorizaram a atravessar seu espaço aéreo.)
Enquanto Snowden continua sua fuga, os segredos de espionagem dos EUA continuam a vazar. Depois que a União Europeia também descobriu que foi monitorada, esperamos que os países de todo o mundo enfim se reúnam para decidir os limites de ações antiprivacidade como esta. [O Globo,O Globo]

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